CC 150.712-SP, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, por unanimidade, julgado em 10/10/2018, DJe
19/10/2018
Ramo do Direito
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Tema
Ameaças de ex-namorado à mulher via facebook. Crime à distância. Internacionalidade configurada. Pedido de medidas protetivas de urgência ao Poder Judiciário brasileiro.
Lei
Maria da Penha. Concretude às convenções internacionais firmadas pelo Brasil. Competência da justiça Federal.
Destaque
Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido, por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no
estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil.
Informações do Inteiro Teor
Inicialmente, cumpre salientar que, segundo o art. 109, V, da Constituição Federal, aos juízes federais compete processar e julgar "os crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente". Encontrando-se o suposto autor das ameaças em território estrangeiro, uma vez que
não se tem notícia do seu ingresso no país, tem-se um possível crime à distância, tendo em vista que as ameaças foram praticadas nos EUA, mas a suposta vítima teria tomado conhecimento do seu teor
no Brasil. Observe-se que, de fato, não se tem, propriamente, crime previsto em tratado ou convenção internacional. Isto porque, embora o Brasil seja signatário de acordos internacionais que asseguram os direitos das
mulheres, tais convenções não descrevem tipos penais. Em outras palavras, referidas convenções apenas apresentam conceitos e recomendações sobre a erradicação de qualquer forma de
discriminação e violência contra as mulheres. Entretanto, em situação semelhante ao caso concreto, o argumento de ausência de tipificação em convenção internacional foi derrubado pelo
Supremo quando da análise de crimes de pedofilia na Internet (RE 628.624). Segundo a tese vencedora, o Estatuto da Criança e do Adolescente é produto de tratado e convenção internacional subscritos pelo
Brasil. Dessarte, à luz do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, embora as convenções internacionais firmadas pelo Brasil não tipifiquem ameaças à mulher, a Lei Maria da Penha, que prevê
medidas protetivas, veio concretizar o dever assumido pelo Estado Brasileiro de proteção à mulher. Assim, é evidente a internacionalidade das ameaças que tiveram início nos EUA, por meio de rede social de
grande
alcance, o que resulta na competência da Justiça Federal.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. PORNOGRAFIA INFANTIL DIVULGADA NA INTERNET. TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA.
Compete à Justiça Federal processar e
julgar as ações penais que envolvam suposta divulgação de imagens
com pornografia infantil em redes sociais na
internet. A jurisprudência do STJ entende que só a
circunstância de o crime ter sido cometido pela rede mundial de
computadores não é suficiente para atrair a competência da Justiça
Federal. Contudo, se constatada a internacionalidade do fato
praticado pela internet, é da competência da Justiça Federal o
julgamento de infrações previstas em tratados ou convenções
internacionais (crimes de guarda de moeda falsa, de tráfico
internacional de entorpecentes, contra as populações indígenas, de
tráfico de mulheres, de envio ilegal e tráfico de menores, de
tortura, de pornografia infantil e pedofilia e corrupção ativa e
tráfico de influência nas transações comerciais internacionais). O
Brasil comprometeu-se, perante a comunidade internacional, a
combater os delitos relacionados à exploração de crianças e
adolescentes em espetáculos ou materiais pornográficos, ao
incorporar, no direito pátrio, a Convenção sobre Direitos da Criança
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio do Decreto
Legislativo n. 28/1990 e do Dec. n. 99.710/1990. A divulgação de
imagens pornográficas com crianças e adolescentes por meio de redes
sociais na internet não se restringe a uma comunicação eletrônica
entre pessoas residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em
qualquer lugar do mundo, poderá acessar a página publicada com tais
conteúdos pedófilo-pornográficos, desde que conectada à internet e
pertencente ao sítio de relacionamento. Nesse contexto, resta
atendido o requisito da transnacionalidade exigido para atrair a
competência da Justiça Federal. Precedentes citados: CC 112.616-PR,
DJe 1º/8/2011; CC 106.153-PR, DJ 2/12/2009, e CC 57.411-RJ, DJ
30/6/2008. CC 120.999-CE, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira
(Desembargadora convocada do TJ-PE), julgado em 24/10/2012.
VÍTIMA IMPÚBERE. CRIMES CONTRA LIBERDADE SEXUAL. PEDOFILIA.
O paciente foi denunciado juntamente
com sua companheira pela prática de diversos crimes contra a
liberdade sexual e de pedofilia perpetrados nos dias 18 e 22 de
fevereiro, 3 e 4 de março de 2007, tendo sido absolvido do delito de
tentativa de estupro. Foi, porém, condenado pela perpetração dos
demais crimes, ao cumprimento de cinquenta e quatro anos de reclusão
e ao pagamento de duzentos dias-multa. Os pacientes mantiveram com a
filha da corré, de apenas seis anos de idade, vários atos
libidinosos diversos da conjunção carnal, ocasiões em que produziram
imagens fotográficas e filmagens das cenas sexuais realizadas com a
vítima impúbere. Além do referido processo, consta também outra ação
penal em que o paciente pretende seu trancamento com imputação nos
crimes de estupro, atentado violento ao pudor e pedofilia (eadem
res) requerida pelo MP (mesmo autor), calcada nos fatos
ocorridos nos dias 3 de novembro de 2006, 23 e 28 de abril de 2007
(eadem causa petendi diferente). Para o Min. Relator, não
ocorreu o bis in idem como aventado. Os fatos constantes em
ambas as ações são divergentes, definindo práticas delitivas em
situações e datas diversas, restando claro que os fatos delituosos
ocorreram em circunstâncias diferentes. Não obstante as denúncias
tenham sido capituladas praticamente nos mesmos delitos, a
princípio, o paciente não está sendo processado duplamente pelo
cometimento de fatos idênticos, não se podendo aduzir que
efetivamente existe a arguida duplicidade de ações. De igual modo,
inviável o acolhimento da pretensão alternativa de reunião dos
processos, haja vista a ocorrência da conexão e possibilidade de
reconhecimento da continuidade delitiva, conforme o art. 82 do CPP e
Súm. n. 235-STJ. Com efeito, não obstante a expressa possibilidade
legal do feito, na hipótese, é descabido o atendimento a tal
pretensão, pois em um deles já foi prolatada sentença. Por fim,
ressaltou o Min. Relator que o não acolhimento da reunião dos
feitos, nesta oportunidade, não inviabiliza o reconhecimento de
possível continuidade delitiva, pois a matéria, caso haja condenação
no feito que se intenta trancar, poderá ser arguida por ocasião da
execução penal, quando da unificação das sanções. HC 94.904-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado
em 23/4/2009.
A consumação do crime previsto no
art. 241 do ECA (publicar cena pornográfica que envolva criança ou
adolescente), para fins de fixação de competência, dá-se no ato da
publicação das imagens. Essa é solução que mais se coaduna com o
espírito do legislador insculpido no art. 70 do CPP. Dessarte, é
irrelevante, para tal fixação, a localização do provedor de acesso à
Internet onde as imagens estavam armazenadas ou mesmo o
local da efetiva visualização pelos usuários. CC 29.886-SP, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 12/12/2007.